A recepção das idéias de Marcuse no Brasil coincidiu, cronologicamente, com a aproximação dos outros teóricos da Escola de Frankfurt ao ambiente intelectual brasileiro naquela época. Esta dupla entrada, porém, não se deu de forma estruturada, seguindo uma seqüência que se supõe, deva acontecer, ou seja, a Escola de Frankfurt surgindo como um corpo teórico "monolítico", ao qual se ligariam tais ou quais teóricos - entre eles Marcuse - que fariam gradualmente sua entrada em cena.
Em função disso, a aproximação dos intelectuais brasileiros às idéias da "Escola", produziu resultados que não apontavam em uma única e só direção. Ao contrário, a recepção das idéias da Escola de Frankfurt no Brasil produziu resultados substancialmente diversos. E isto pode ser atribuído à conjunção de dois fatores. O primeiro, à heterogeneidade imanente à própria Escola em função, quer da diversidade de formação dos seus teóricos, quer pela amplitude dos temas a que se dedicavam. O eixo teórico que os unia, nem sempre era suficientemente claro para permitir percebê- los, pelo menos numa primeira leitura, como pertencentes a um mesmo grupo teórico. O segundo fator, foi a heterogeneidade das condições históricas em que ocorreu no Brasil esta recepção. Isto se refere especificamente às décadas de 60 e 70, pelo menos no que diz respeito às primeiras aproximações.
No caso do Brasil, estas duas décadas podem ser periodizadas no mínimo em três momentos distintos: os anos iniciais até o golpe militar de 31 de março de 1964, que depôs um presidente civil e instaurou em seu lugar uma ditadura militar por vinte anos; os anos intermediários entre março de 1964 até a edição do AI5 [2] em 13 de dezembro de 1968; e os seus anos finais, anos de apogeu da ditadura militar, até meados da década de 70, seguidos de uma gradual e lenta abertura política em direção a um regime democrático.
A Escola de Frankfurt chega justamente ao Brasil, timidamente, no segundo momento histórico desta periodização provisória que propus antes para os anos 60/70.
Seus teóricos, mesmo neste período, são ainda praticamente desconhecidos, mesmo entre filósofos brasileiros. Destaque-se aí neste momento, a Revista da Civilização Brasileira, editada de março de 1965 a dezembro de 1968. Possivelmente era a de maior circulação nacional entre intelectuais na época e já registrava a publicação de alguns artigos de membros da Escola de Frankfurt. Dois são de Marcuse: "Liberdade e Agressão na Sociedade Tecnológica"[3] (Ano III, n.º 18, março/abril 1968), "Finalidades, Formas e Perspectivas da Oposição Estudantil no Estados Unidos"[4] (Ano IV, n.º 21/22, set./dez. 1968). Um de Adorno: "Moda sem Tempo: Jazz"[5] (Ano III, n.º 18, março/abril 1968). E um dos textos mais conhecidos e divulgados de Walter Benjamin: "A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica"[6] (Ano IV, n.º 19/20, maio/agosto 1968). Em nenhum deles porém, se faz qualquer alusão à vinculação dos autores com um "movimento de idéias" que os aproximasse e que, já naquela época, era conhecido e consagrado internacionalmente como Teoria Crítica ou Escola de Frankfurt.
A maior parte dos trabalhos destes teóricos ainda se encontrava em alemão e as expressões "Escola de Frankfurt" ou "Teoria Crítica" eram, se muito, uma referência ainda pouco valorizada no discurso de raríssimos intelectuais e filósofos brasileiros, que tinham acesso a uma bibliografia que não circulava aqui com facilidade.
Schwarz (1995) avalia como extremamente negativa esta "ausência" da Escola de Frankfurt no pensamento dos marxistas brasileiros, particularmente até meados dos anos 60. Para ele, o marxismo mais sombrio dos frankfurtianos era, na verdade, mais impregnado de realidade que os demais, já que havia "assimilado e articulado uma apreciação plena das experiências do nazismo, do comunismo stalinista e do "american way of life" encarado sem complacência". O trabalho de José Guilherme Merquior, Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin, publicado pela Editora Tempo Brasileiro em 1969 é uma das raras exceções daquela época. Constitui, sem dúvida, o primeiro estudo brasileiro envolvendo o "bloco principal" (pelo menos, naquele momento) dos pensadores da Escola de Frankfurt, não havendo registro de nenhum outro de semelhante envergadura, naquela época. Na apresentação deste trabalho, o próprio Merquior aponta que as obras dos autores por ele estudados são "em sua maioria desconhecidas no Brasil" (1969, p.15). Marcuse chega ao Brasil neste mesmo período histórico, porém dois anos antes do trabalho de Merquior, acima citado, e um ano antes do Maio de 68.
Marcuse chegava trazido pelos ventos passageiros, mas extremamente relevantes, de uma abertura intelectual no Brasil que, contrariamente ao que se pensa, caracterizou boa parte da década de 60, mesmo após a instauração do regime militar em 1964. Houve inclusive, principalmente de 1964 a 1968, a aceleração de um processo de abertura em direção às mais importantes correntes da cultura universal. Isto gerou, entre outras coisas, um número significativo de novas traduções de autores e teóricos consagrados. A percepção de um gradual fechamento do regime e da possibilidade de instauração de uma ditadura militar, em moldes fascistas – o que efetivamente acabou acontecendo –, eletrizava boa parte da intelectualidade brasileira. Era preciso abastecer o mercado das discussões políticas e ideológicas com novos autores, novas idéias, novas formas de luta que pudessem fazer frente àquela ameaça que pairava no ar.
Em relação especificamente ao marxismo, Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder[7] que, na época, além de ligações teóricas estreitas com o marxismo, exerciam também militância política no PCB, enfatizaram que, pela primeira vez se pôde quebrar o monopólio dos manuais soviéticos[8]. Avaliando aquele período histórico, Schwarz (1995) enfatizará o incômodo intelectual que causava a onipresença deste manuais como a única interpretação autorizada aos textos marxistas, que o PCB impunha: "Afrontava o direito de exclusividade, o monopólio exegético que os partidos comunistas haviam conferidos a si mesmos em relação à obra de seus clássicos, da qual davam uma versão de catecismo, inepta e regressiva". Esta pesada e intelectualmente trágica herança do "Realismo Socialista", fazia com que uma antiga afirmativa de Ernst Bloch ganhasse vida e atualidade no contexto daquela realidade brasileira: o marxismo corria muito mais riscos pela ação dos seus ardorosos defensores, do que propriamente por parte dos seus inimigos declarados.
Tendo como um de seus objetivos principais justamente a quebra deste monopólio sobre uma interpretação, já rigidamente fixada pelo PCB, e em busca da construção de uma esquerda à altura de seu tempo, muitos intelectuais se engajaram numa luta em favor da inserção/tradução de novos, e por aqui pouco conhecidos, teóricos marxistas: "A bibliografia marxista brasileira se enriqueceu não só com os trabalhos de Luckács, Gramsci, Goldmann, Althusser, Baran e Sweezy, Adam Schaff mas de muitos outros" (Coutinho, 1990, p. 187).
Por outro lado, a boa receptividade das obras de Marcuse, por amplos setores da intelectualidade e entre os jovens brasileiros, com ênfase especial para Eros e Civilização e Ideologia da Sociedade Industrial, pode também ser creditada a dois outros fatores. Primeiro porque, de todos os membros da Escola de Frankfurt, era o único realmente conhecido e valorizado. Já freqüentava regularmente os meios de comunicação, sendo neles freqüentemente apontado como "maître à penser" dos movimentos de rebelião, particularmente entre os jovens, que ocorriam em vários países da Europa. O segundo fator que ajudou à esta boa receptividade de Marcuse, foi o fato de que, naquele momento, já havia um crescente desagrado em relação às posições "teóricas e práticas" que emanavam do PCB, que se apresentava como uma espécie de guardião institucional do marxismo e seu "único" porta-voz. O seu caráter ritualizado e burocratizado desagradava a amplos setores da intelectualidade, incluindo boa parte dos seus militantes, que esperavam do partido uma ação mais combativa e direta. Diante do "endurecimento" do regime militar, em direção a uma ditadura mais e mais asfixiante, questionava-se abertamente a timidez dos quadros do PCB em face desta realidade concreta. Neste contexto, a idéia de uma "Grande Recusa" parecia mais adequada ao clima de impaciência revolucionária que se avolumava, do que as teorizações protelatórias de uma ação revolucionária que nunca se efetivava.
Misturada ecleticamente com Mao, Marx, Debray e Althusser, amplos setores da intelectualidade, particularmente os de esquerda, ignoraram num primeiro momento as incoerências teóricas que poderiam estabelecer rejeições incontornáveis entre esses teóricos. Adotaram-nos "em bloco", como aqueles que seriam capazes de fornecer subsídios teóricos para uma ação eficaz, quer contra a ditadura, identificada ao Capitalismo, quer contra o "Partidão"[9], portador para eles de uma esclerose senil do marxismo.
O momento seguinte da recepção e apropriação das idéias de Marcuse, ocorre logo a seguir à "ação", gerada por uma impaciência que acreditou poder vencer a ditadura pela luta armada.
O impacto com a duríssima realidade de um sistema social e político, extremamente cruel com qualquer tipo de oposição, principalmente armada, estabeleceu para "as esquerdas" novos limites de pensamento e ação. Uma parte dela, voltou-se em direção a outros teóricos como Althusser[10] e Gramsci, que pareciam oferecer perspectivas de análise que permitiriam uma sustentação da resistência a longo prazo, através de outros mecanismos de luta com a ditadura, cuja retaliação, inexorável, era inteiramente desfavorável às esquerdas.
Uma outra parte, se voltou "realmente" em direção à Grande Recusa, tomada por eles porém, num sentido tão literal e próprio quanto absolutamente excludente. Recusavam a ditadura, o capitalismo, a tecnologia, todo o legado cultural anterior, a ciência e, principalmente, recusavam a "razão ocidental". Esta, que no século XVIII fora vista como absolutamente necessária e suficiente para dar conta do mundo, ao ser percebida nos anos 60 como necessária mas não suficiente, podia, finalmente, ser totalmente descartada. Como não era suficiente, deixara de ser também necessária. Se "o sonho da razão só produzira monstros" até então, era a vez de entronizar a "desrazão" e construir um outro "admirável mundo novo".
Surgiam assim os movimentos de contra-cultura, assumindo no Brasil dos anos 70 a sua versão tropicalista, permeada de um romantismo utópico anti-capitalista, anti-tecnológico. Tudo conspirando a favor de um hedonismo que apontava o corpo e suas sensações como objetivo máximo de "libertação". O indivíduo passava a ser visto como a última instância indivisível e fundadora de sentido. Marcuse, sem ser consultado, é então embarcado na "stultífera nave" da contra-cultura.
Creio que se pode afirmar, ao menos como hipótese, para a transformação de Marcuse em fonte de inspiração para vários movimentos de contra-cultura no Brasil, alguns fatores que aí se combinaram: o primeiro é que as pessoas que compunham os grupos de contra-cultura se detinham basicamente em somente duas das obras de Marcuse, que eram as mais divulgadas no Brasil, Eros e Civilização e Ideologia da Sociedade Industrial. Ao descontextualizar estas obras do conjunto de reflexões de Marcuse, facilitava-se uma apreensão/interpretação "radicalizada" e "idiossincrática" de muitos de seus conceitos, cuja carga de "ambigüidade" poderia se dissolver - ou pelo menos ser matizada - no confronto com as suas demais obras. Esta ambigüidade de muitos dos seus conceitos, que acredito ser mais aparente do que real, associada à força poética de suas propostas utópicas - Orfeu e Narciso contra Prometeu, a necessidade de uma "nova sensibilidade", a luta genérica contra "a repressão", entre outras - deve ter exercido o seu papel neste processo, de sedução e cooptação de Marcuse como ideólogo de uma contra-cultura. Não creio, todavia, que realmente, a maioria dos jovens e intelectuais daquela época tivesse "realmente" lido Marcuse, no sentido de uma leitura atenta, dissecadora e reflexiva, capaz de levá-los a compreender a arquitetura das suas reflexões teóricas. Aliás, o próprio Marcuse, naquela época, parece que compartilhava desta hipótese. Em uma entrevista realizada na França, em 68, ele afirmou: "Acredito que existem muito poucos estudantes que me leram na verdade..." e atribuía à imprensa e à publicidade criada em torno de seu nome, o fato de ter se transformado numa "mercadoria de grande aceitação"[11]. Inclino-me a pensar que, mesmo em relação às suas duas obras de maior divulgação antes citadas, a leitura já realizada foi mais superficial do que filosófica, mais presa aos conceitos, assumidos como "verdades que falavam por si mesmas", do que às suas definições, dadas por Marcuse.
À isto agrego uma outra hipótese complementar. Na construção do estereótipo que foi esboçado pelos jovens e muitos intelectuais daquela época, numa simplificação de Marcuse e suas idéias, jogou um papel decisivo um fenômeno a que os ingleses denominam jumping to conclusions. Merquior sugere este termo, ao criticar a leviandade de boa parte dos intelectuais ou dos que se acreditam como tal, diante de novas teorias. Para ele, é comum ocorrer neste tipo de intelectual, uma "alegre corridinha do espírito humano rumo às conclusões precipitadas, saltitando para a proclamação a-crítica de redutoras "idéias gerais", sem se dar ao incômodo de verificar nem qualificar coisa alguma" (Merquior, 1969, p.17).
Acredito assim, que a maioria da intelectualidade da época, principalmente os jovens, "portava" Marcuse mais do que o lia. Faziam dele, principalmente, um uso emblemático, carregando suas obras, mais do que dissecando-as em seus fundamentos. Através delas, lhes eram conferidos signos distintivos de saber, rebeldia e vanguardismo. Conferiam a seus portadores "poder e atualidade", expressos no caráter ostensivo da sua exibição - já que através de relatos e entrevistas[12] pude constatar que os livros de Marcuse foram, sem dúvida, muito "vistos", mas não necessariamente lidos. Os livros de Marcuse talvez oferecessem a seus portadores, na época, o símbolo de uma fantasia de "engajamento e contestação", acalentada pelos intelectuais e jovens da época.
Marcuse era, portanto, particularmente naquele momento histórico dos anos 60, moeda corrente no "mercado dos bens simbólicos"[13]. Sua inserção entre nós, não se deu aí através de um real domado nos limites da razão, que se legitima ao estabelecer julgamentos à luz dos fatos. Defendo, pelo contrário, que a apropriação de suas idéias, bem como o processo de constituição das diversas imagens que compuseram os múltiplos "Marcuses", foram elaboradas sem que o real tivesse exercido hegemonicamente o seu poder. Marcuse foi constituído, principalmente, num hipotético espaço intervalar entre o real - representado aqui pela efetiva publicação de suas obras e o imaginário social, que dele se apropriou reinterpretando-o, permitindo assim o seu uso emblemático.
Por fim, a terceira e última fase da recepção das idéias de Marcuse no Brasil, que basicamente se estende até os nossos dias, vai ocorrer de forma completamente diferente das duas primeiras já descritas.
O período Médici[14] havia sangrado de morte o imaginário dos jovens e da intelectualidade nos anos 60 e 70. Teoria e prática haviam passado por um longo e doloroso confronto. Fora necessário descobrir mecanismos para fazer a revolução, articulando reflexão teórica crítica e a prática. As "aventuras do espírito" tinham sido substituídas rapidamente pelas "aventuras da ação" e para atravessar o limite entre o mundo real, amplamente rejeitado e o mundo imaginário em direção às utopias, só os teóricos da ação passavam a despertar interesse. A prática revolucionária tinha pressa.
Marcuse vai então para um certo ostracismo, no Brasil, que dura praticamente toda a década de 70[15]. Ao retornar, no fim desta mesma década, viu seu papel reduzido a um dos membros "menos relevantes" da Escola de Frankfurt. A inserção da Escola como um todo já estava aceleradamente em curso e os nomes de Adorno, Horkheimer e Benjamin despontavam como seus maiores expoentes, aos quais se juntou logo a seguir Habermas. À Marcuse, a história deste movimento de idéias, conhecido como Teoria Crítica, reservou um papel de coadjuvante; aquele que, tendo se inspirado nas idéias centrais deste "movimento", correu em trilho próprio, "radicalizando" algumas destas concepções teóricas.
Marcuse porém, agora já despojado da aura produzida pela mídia, podia ser também melhor lido e avaliado. Havia já, entretanto, muitas e variadas opções teóricas à disposição dos intelectuais, incluindo mesmo dentro da própria teoria crítica[16].
Pode-se também ressaltar que, esta última fase de assimilação da Escola e de Marcuse, não mais essencialmente via New Left dos Estados Unidos - onde Marcuse representou figura de proa com predomínio absoluto na primeira fase e boa parte da segunda - foi sucedida por sua vertente "européia", num retorno às suas raízes originais.
Esta também é a época a partir da qual se destaca, cada vez mais, um intelectual brasileiro que pode, sem nenhum favor, ser apontado como o responsável pelo processo de disseminação da Escola de Frankfurt no Brasil: Sérgio Paulo Rouanet. Através de seus textos, alguns já publicados aqui no fim da década de 60 e outros mais que vem produzindo regularmente, desde os anos 70, se percebe a marca registrada frankfurtiana[17]. Há dele também um excelente texto de 1968, um dos raros e pouco conhecidos desta época, em que se propôs fazer uma análise crítica séria, fora da tônica geral daquela época de exaltação cega, do conjunto da obra de Marcuse até aquele ano. Foi editado pela Revista Tempo Brasileiro, a mesma editora a que se pode atribuir um papel relevante na divulgação - até hoje - de muitas obras de autores ligados à Teoria Crítica[18], especialmente as de Habermas. Nesse sentido, a relação que se pode apontar entre Sérgio Paulo Rouanet bem como com Bárbara Freitag, quer como articulistas, quer como consultores desta editora acima citada, tem sido fundamental para a divulgação do pensamento da Escola de Frankfurt no Brasil. A própria produção intelectual dos dois, particularmente na última década, tem sido exemplar nesta direção.
Através de Rouanet expurgou-se, definitivamente, qualquer apropriação irracionalista, fora dos propósitos originais, quer de Marcuse quer da Escola, como um movimento de idéias. Na obra de Rouanet há, da mesma forma, um sempre renovado esforço de sustentar um debate vivo em torno da Teoria Crítica, quer em relação a seus pressupostos teóricos, quer quanto ao seu potencial como desveladora de nossa contemporaneidade.
Rouanet, por fim, tem o duplo mérito de ter reconciliado uma boa parte da intelectualidade de esquerda no Brasil com a perspectiva frankfurtiana e ao mesmo tempo - principalmente pela seriedade de suas análises e atualidade das mesmas - de ter seduzido para ela outros tantos intelectuais, oriundos de outras perspectivas, antes completamente refratários à Escola de Frankfurt.
Portanto, esta última fase da recepção da Escola de Frankfurt e de Marcuse no Brasil, vem se caracterizando - em relação às duas anteriores - por ser fortemente impregnada de um racionalismo decisório, nas formas de apropriação de suas idéias, pelos intelectuais que se interessam por sua perspectiva. Isto vem permitindo que se faça dela uma avaliação mais reflexiva, mais serena e crítica das suas contribuições teóricas.
Endnotes
1. Professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ.
2. AI5 – Ato Institucional Nº 5. Norma de natureza constitucional expedida pelo governo militar, fechando o regime e dando início aos "anos de chumbo" no Brasil entre 1968 e 1975.
3. Conferência publicada originalmente em espanhol, de onde se fez a tradução. Revista Ciencias Politicas y Sociales. Madrid, nº 43/44, Jan./mar./abr./jun., 1966.
4. Resumo da conferência de Herbert Marcuse Das Problem der Gewalt in der Opposition, que compõe o livro Das Ende der Utopie. A tradução foi feita do texto em italiano publicado no L'Unita de 12/set./1968.
5. Um dos capítulos do livro de Adorno PRISMEN. Kulturkritik und Gesellschaft.
6. Artigo originalmente publicado em 1936 na Zeitschrift für Sozialforschung com o título de L'Œuvre d'art à l'époque de as reproduction mécanisée. Este texto porém , foi traduzido para o português do italiano. Posteriormente largamente divulgado em outras publicações em português. Possivelmente, o texto mais conhecido, quer de Benjamin, quer da Escola de Frankfurt no Brasil.
7. Entrevistas com o autor deste texto. Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho autores de vários livros nas áreas de Filosofia e Ciência Política, são reconhecidos até hoje como "intelectuais marxistas".
8. Entre estes manuais, um trabalho coletivo de oito autores russos foi, aqui no Brasil, um dos mais divulgados: Kuucinen, O. V. et al. Fundamentos do Marxismo-Leninismo, 1962, com quase 800 páginas.
9. Partidão: forma, às vezes depreciativa, largamente usada, de se referir ao PCB no Brasil.
10. Coutinho, crítico severo de Althusser, atribuir a este teórico e a sua combinação com o estruturalismo da época a "produção escolástica e estéril" que passou, segundo ele, a dominar uma parte substancial da produção universitária e editorial daquela época (Coutinho, 1990).
11. Marcuse, Revista Manchete, n.º 863, 2/11/68, p.30-35. Originalmente esta entrevista foi publicada na mesma época no L'Express.
12. Aludo aqui as entrevistas que realizei com filósofos brasileiros para a minha tese de doutoramento: Marcuse no Brasil: Idéias e Imaginário.
13. Utilizo aqui a expressão nos termos de Bourdieu em Economia das Trocas Simbólicas, 1992.
14. Emílio Garrastazu Médici – presidente militar, não eleito, entre 1969 e 1974, considerado o período do terror da ditadura militar no Brasil.
15. Ainda em 1973 saiu no Brasil, pela ditora Zahar, a tradução de um livro de Marcuse, Contra-Revolução e Revolta, que ele escrevera no ano anterior.
16. Sem nenhuma pretensão exaustiva, podemos citar as obras abaixo, editadas já na década de 70: Adorno e Horkheimer, Temas Básicos de Sociologia, 1973; Benjamin, A Modernidade e os Modernos, 1975; Kothe, Para ler Benjamin, 1976; Jimenez, Para Ler Adorno, 1977; Adorno, Filosofia da Nova Música, 1974 e Notas de Literatura, 1973; Slater, Origem e Significado da Escola de Frankfurt, 1978; Cohn, Comunicação e Indústria Cultural, 1975; Benjamin, Horkheimer, Adorno e Habermas, Textos Escolhidos, Coleção Os Pensadores, 1975.
17. Citaria dele, entre outros trabalhos, os seguintes como exemplo desta produção frankfurtiana: Édipo e o Anjo (1981); Teoria Crítica e Psicanálise (1983); A Razão Cativa (1985); As Razões do Iluminismo (1987); Mal-Estar na Modernidade (1993); A Razão Nômade (1993); Moderno e Pós-Moderno (1994).
18. ROUANET, "De Eros a Sísifo", Revista Tempo Brasileiro, n.º 17/18, 1968.
Referências Bibliográficas
O melhor trabalho e um dos raros que se propuseram a discutir as circunstƒncias em que se deu a entrada da Escola de Frankfurt no Brasil, é o artigo do professor Carlos Nelson Coutinho "Dois momentos brasileiros da Escola de Frankfurt", Cultura e Sociedade no Brasil, 1990. Para alguns esclarecimentos suplementares também pode ser útil o livro de Barbara Freitag Teoria Crítica Ontem e Hoje, 1986, bem como o artigo recente de Vamireh Chacon intitulado "A Recepção da Escola de Frankfurt no Brasil", Revista Brasileira de Filosofia, n§ 176, 1994.
Este texto foi indicado à esta editora para tradução por José Guilherme Merquior e foi traduzido por Carlos Nelson Coutinho, segundo me asseverou este último em entrevista.
SCHWARZ, Um Semin rio de Marx, 1995, p.07.
Em relação a Marcuse, hápelo menos dois em Merquior. Este de 1969, Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin, onde Marcuse é apresentado como um grande pensador, uma espécie de vanguarda da Escola de Frankfurt. E háo segundo Marcuse, este da década de 80. Em obra de 1986, Merquior não hesitou em apontar Marcuse como padrinho "desse neofascismo vermelho em sua tola, perigosa investida contra as liberdades institucionais e as práticas civilizadas". MERQUIOR, O Marxismo Ocidental, 1986, p.225.
MERQUIOR, Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin, 1969, p.15.
Entre estas obras, uma das mais divulgadas foi o Fundamentos do Marxismo-Leninismo, 1962, obra coletiva de oito autores russos , KUUCINEN, O.V. et alii, com quase 800 p ginas. Traduzida diretamente do russo - da edição autorizada pela Editora Estatal de Literatura Política de Moscou - por Jacob Gorender e M rio Alves, militantes do PC, foi publicada em 1962 pela Editora Vitória. Esta, antes de ser fechada pelo regime militar, publicou também muitos outros textos ligados ao "marxismo oficial", incluindo uma excelente seleção de obras de Marx em três volumes, que circula até hoje, com a mesma tradução, pela Editora Global.
SCHWARZ, Um Semin rio de Marx, 1995.
Para uma excelente descrição e análise desta trágica e esterilizante herança do "Realismo Socialista" no Brasil, consultar a tese de doutorado de Dênis Roberto Villas Boas de Moraes: O Imagin rio vigiado - a imprensa comunista e a recepção do Realismo Socialista no Brasil (1947-1953), ECO/UFRJ, 1993.
COUTINHO, "Dois momentos brasileiros da Escola de Frankfurt", p.187.
Uso aqui o termo emblem tico, a partir de uma interpretação da sua acepção original em Estética, que define o emblema como uma figura que serve de sinal de reconhecimento, tendo por fim representar e permitir reconhecer - quer uma comunidade, um personagem, uma organização ou uma qualidade abstrata - através do uso de imagens simbólicas ou alegóricas capazes de resumir, concretizar e evocar o que elas representam (SCRIABINI, "EmblŠme". In ENCYCLOPDIE..., Les Notions..., Vol. I, p.771.).
MERQUIOR, Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin. 1969, p.17.
Em 1973 ainda saiu no Brasil, pela Editora Zahar, a tradução de um livro de
Marcuse, Contra-Revolução e Revolta que ele escrevera no ano anterior.
Possivelmente foi o livro menos lido de Marcuse no Brasil e onde ele, preocupado
com as apropriações estranhas a seu pensamento, fez o que alguns perceberam como
uma auto-crítica. Nesta obra, tentou estabelecer limites mais claros para a
interpretação das suas idéias. Rechaçava com veemência, por exemplo, as apro-
priações "irracionalistas" de suas idéias em alusão ao que ocorrera com a contra-
cultura. Defendia, mais uma vez, o papel transcendente da arte que, segundo ele, não
poderia ser reduzido e explicado dentro do sistema abstrato de base e superestrutura,
como queriam nele "ler" alguns marxistas de plantão.